Para ouvir e sentir cada palavra (para lá do óbvio)…

Como eu gosto de ver ‘as palavras nos seus lugares’*!

Eu seguro - Samuel Úria c/ Márcia

Quando o tempo for remendo,
Cada passo um poço fundo
E esta cama em que dormimos
For muralha em que acordamos,
Eu seguro
E o meu braço estende a mão que embala o muro.
Quando o espanto for de medo,
O esperado for do mundo
E não for domado o espinho
Da carne que partilhamos,

Eu seguro.
O sustento é forte quando o intento é puro.

Quando o tempo eu for remindo,
Cada poço eu for tapando
E esta pedra em que dormimos
Já for rocha em que assentamos,
Eu seguro.
Deixo às pedras esse coração tão duro.
Quando o medo for saindo
E do mundo eu for sarando
Dessa herança eu faço o manto
Em que ambos cicatrizamos
E seguro.

Não receio o velho agravo que suturo.
Abraços rotos, lassos,
Por onde escapam nossos votos.
Abraso os ramos secos,
Afago, a fogo, os embaraços
E seguro,
Alastro essa chama a cada canto escuro.
Quando o tempo for recobro,
Cada passo abraço forte
E o voto que concordámos
É o amor em que acordamos,
Eu seguro:
Finco os dedos e este fruto está maduro.

Quando o espanto for em dobro,
o esperado mais que a morte,
Quando o espinho já sarámos
No corpo que partilhamos,
Eu seguro.
O que então nascer não será prematuro.
Uníssonos no sono,
O mesmo turno e o mesmo dono,
Um leito e nenhum trono.
Mesmo que brote o desabono

Eu seguro,
Que o presente é uma semente do futuro.

*verso de um poema de Almada Negreiros!

O mais novo* de Ana Moura…

Ouvi este tema, num daqueles felizes acasos, sem ter quaisquer referências e gostei muito! Só depois soube que a letra e a música são da Márcia, uma artista com temas lindos que já mostrei aqui e ali, e fiquei mais feliz ainda. A curiosidade instalou-se e fui perceber como será este novo trabalho de Ana Moura, e descobri que os compositores não são do fado e parecem improváveis ao estilo. Eu simplesmente adoro estas ‘fugas’. Ora, quando percebi que Herbie Hancock compõe o ramalhete das figuras convidadas, fiquei, como dizia o Herman, ‘flabbergasted‘… embasbacada mesmo e imensamente feliz. 🙂 Parece ser uma viragem naquilo que conhecemos da fadista, que sempre mostrou que pontualmente gosta de dar um salto a outros estilos musicais, mas que nunca o tinha assumido tão abertamente. Depois de tudo isto, o nome do disco, “Desfado”, parece ser uma escolha mais do que acertada! Agora, resta esperar pelo CD para saber se este meu entusiasmo se vai manter. Assim espero!

* falo do primeiro single do novo trabalho, claro!

Por aqui ando com “a calma a aguardar lugar em mim“…

Sabe bem acalmar na doçura de vozes como esta.
Gosto do primeiro videoclip desta música, mas admito que prefiro ouvir este lindo tema na mais recente versão de Márcia na companhia de JP Simões.

A pele que há em mim Márcia

Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu

E a calma a aguardar lugar em mim
O desejo a contar segundo o fim.
Foi num ar que te deu
E o teu canto mudou
E o teu corpo do meu
Uma trança arrancou
O sangue arrefeceu
E o meu pé aterrou
Minha voz sussurrou
O meu sonho morreu

Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim
Tu não sabes nada.

Estou encantada com esta voz…

É portuguesa, chama-se Márcia e lançou no final de 2010 Dá’, o seu primeiro disco. Foi feliz o meu encontro com a sua voz doce e melancólica, que por momentos parece transportar-me para lugares onde só a ternura sobrevive.