O texto que se segue é de Carolina Deslandes, uma mulher (com cara de menina) de 23 anos que escreve de alma cheia, com o coração na boca e sem medo das palavras. E eu estou a adorar conhecer esta sua faceta maravilhosa, de quem apenas conhecia a voz rouca e suja que colocava em lindas interpretações! Começou a publicar as suas crónicas na plataforma Maria Capaz há pouco tempo. Li a primeira e siderei. Esta foi mais longe! Entranhou-se em mim e foi ao mais fundo do meu ser, da minha essência, pela qual me guio desde que me conheço. E talvez, por isso, eu seja um bocadinho difícil de se gostar verdadeiramente. Porque sou igualmente de grandes extremos, de sentimentos gigantes, de tudo ou nada, de não gostar de meios termos, de meias verdades, de não deixar coisas por dizer, de defender os meus e de lutar por quem amo até à exaustão! E nem sempre se gosta ou se aceita alguém assim. Só os que entram na nossa vida e aceitam ficar.
8 OU 80 por Carolina Deslandes
“Eu amo com o corpo todo. Eu amo com o coração, com as mãos, amo até à ponta dos cabelos. Eu choro com o corpo todo, sofro inteira e inteiramente. Choram-me os olhos e a alma, os tornozelos e os dedos dos pés. E quando sofro, sofre o céu, sofrem as flores, sofrem os transeuntes, sofrem as pedras da rua… O mundo inteiro parece estar de luto. Eu não entendo o ameno, não sei o que isso é. Não entendo a meia estacão. Eu ou morro de frio e visto mais camisolas do que as que me cabem, ou morro de calor debruçada na janela com o cabelo para baixo. Eu nunca “estou satisfeita”, ou estou morta de fome ou tão cheia que até falar custa. Eu nunca gosto mais ou menos de um sítio, nunca. Ou adoro de morte ao ponto de cheirar a casa e poder andar descalça, ou detesto ao ponto de preferir ficar em casa a escrever baboseiras. Eu não entendo o que é isso da “música levezinha”, eu preciso que a música me atropele, me dispa. Preciso que dê um pontapé na porta e me fale como se me conhecesse da vida toda. Eu não me rodeio de “gente porreira”. A gente porreira é o atum da humanidade. Eu rodeio-me de gente, com os melhores e piores feitios, gente calma e pacífica e gente que tem trovoada. Mas acima de tudo gente. Gente que, seja qual for a sua verdade, é de verdade. Eu não entendo o “vai-se andando”. Eu não “vou andando” para lado nenhum, o gerúndio demora tempo demais. Ou estou parada num sítio, apática e a falar sozinha, ou estou a 300 à hora, como se cada instante fosse um ano de vida. Eu não prefiro ter um pássaro na mão que dois a voar. Se existem dois pássaros – que estejam na minha mão – ou então que voem juntos e eu fico a admirá-los. Mas *não me venham com meias coisas. Eu não entendo o “disfarça” ou o “não compres essa guerra”, “se eu não gostar de ti, vais saber”, “se não gostar de alguma coisa, vou dizer”. É que eu prefiro comprar guerras honestas que viver de pazes alugadas made in china. Eu não tenho conhecidos. Ou tenho amigos, ou tenho pessoas, simplesmente. Ou te cumprimento e nada mais ou podes ter a certeza que te dou a minha camisola no Alasca e até te dou o meu Calipo se o teu cair inteiro na areia. Eu não acho mais ou menos piada a nada, não sou adepta do sorriso amarelo. Ou fico calada ou rio até as lágrimas escorrerem e a barriga doer tanto que tenho de me enrolar como um bicho da conta. Eu nunca estou mais ou menos doente ou mole. Ou estou tão activa que falo pelos cotovelos, ou dou 115 espirros e durmo abraçada a um rolo de papel higiénico. Não sei se é uma bênção ou maldição, isto de ser inteira em tudo. É tudo intenso. É tudo catástrofe ou milagre, é tudo luz ou sombra. E pelo amor de Deus, que daqui a uma anos ninguém me descreva como a “gaja porreira”. Que me amem e me lembrem ou então, não queiram saber de mim.”